quarta-feira, 19 de março de 2014

O parto da Lia - parte 2

....Umas 10 da noite vieram fazer outro cardiotoco. Com poucas contrações, a enfermeira de plantão puxou uma cadeira, sentou do meu lado e conversou comigo. Me aconselhou a tomar um banho e a dormir, porque eu precisaria de forças nos próximos dias. Ela perguntou também sobre trabalho, filho, onde eu morava, parecia q queria me distrair, me fazer sentir bem. Meia noite e pouco trouxeram outra mulher pro quarto – uma ortodoxa q estava no 11º parto. Tão experiente q, sem dar um pio, deitou e dormiu a noite toda (coisa q não deve fazer muito em casa). No outro dia, ainda sem dar um pio, anunciou q tinha tido uma contração forte e q deveria ir pra sala de parto.

Às 2 da manhã eu estava com muitas contrações, a cada 4 minutos em média. Fui até a enfermeira, ela me fez outro cardiotoco e resolveu me mandar para um exame de toque: “Dois cm de dilatação, vai tomar banho e pular na bola fisio, quem sabe até de manhã esse parto começa de verdade”. Perguntei se deveria chamar o marido, mas a médica disse q não, q eu precisava mesmo era descansar. Por acaso, foi eu chegar ao quarto de volta e o marido ligar e anunciar q estava voltando pro hospital, ele e a Elza.

Tentei dormir um pouco, não deu muito jeito e quando as contrações deveriam engrenar, elas na verdade pararam, como se nunca tivessem existido. Às 9 e pouco da manhã teve visita médica e resolveram me dar outra dose do indutor. Meu tampão caiu na hora do almoço e mais uma vez, algumas horas depois, comecei a ter contrações, mais fortes dessa vez. Eu me empolguei, sempre achei q minha filha nasceria no dia 20 de fevereiro, achei q estava certa. Às 3 e pouco da tarde tive outra consulta e exame de toque e eu tinha quase 3 cm de dilatação. A médica prometeu outro exame em 2 ou 3 horas e se houvesse progresso, eu iria pra sala de parto até o final do dia.

A Avigail veio me visitar e tanto ela quanto a Elza me aconselharam a ir fazer uma caminhada pelo estacionamento do hospital, pra ver se o negócio fluía. Estava uma tarde linda, um sol quentinho e lá fomos nós, andar por uns 40 minutos. A cada contração eu dançava “o tchan” (sim, no estacionamento do hospital super religioso), na esperança de amenizar a dor e de acelerar o processo. No final da caminhada voltamos pro quarto e as contrações sumiram.

A essa altura eu estava começando a cansar e a me encher. Até então, a cada contração eu pensava “uma a menos para o encontro com a minha filha” e as encarava numa boa, apesar da dor. Dois dias de contrações e dores depois, eu me vi tendo raiva delas, já q aparentemente elas não “serviam pra nada”, o parto não acontecia. Eu estava incomodada, cansada e acima de tudo, com muitas saudades do Uri. Conhecendo meu filho, eu sabia q ele estaria se mostrando forte e todo mundo estaria achando q ele estava adorando estar com pessoas diferentes a cada dia. Eu acredito q sim, ele estava se divertindo, mas q por outro lado ele não estava entendendo nada e sentia falta da rotina e da mãe dele em casa. Quando a gente explicava q a mamãe “tinha ido pro hospital pra buscar a nenê”, eu tinha certeza de q ele não entendia o porquê da minha demora em voltar pra casa com a irmã dele. Minha amiga Iara estava vindo de Tel Aviv para dormir com ele aquela noite (e passar o final de semana também), mas pedi pro Ariel ir pra casa. O Uri aparentemente precisava mais dele do q eu, já q o parto parecia distante... Com o Ariel em casa eu me sentia mais tranquila em saber q o Uri estaria mais próximo do q ele conhece como rotina e com o backup da Iara, o Ariel poderia voltar pro hospital caso fosse necessário.

Fiquei sozinha, sem o Ariel, a Elza ou as contrações. Cheguei a fazer outro exame de toque naquela noite, mas não havia progresso algum. Assisti Master Chef do meu telefone, rezei e tentei dormir.

O Ariel passou a noite toda com o Uri, o levou pro gan e veio pro hospital. Me encontrou de mau humor e semi deprimida. Quando a médica passou visita às 9 da manhã, eu perguntei quais eram os planos deles pra mim, se eu ficaria tomando indutor sem muito resultado. Ela explicou q não, q agora q eu tinha dilatação e 80% do colo do útero apagado, se eu desejasse, poderia tomar ocitocina e acelerar esse parto. E disse uma frase q eu nunca vou esquecer: “Anotem ai, dia 21 é a data de nascimento da filha de vocês!”

De novo, ocitocina não estava nos meus planos iniciais, mas àquela altura, eu não tinha mais esperança de parir segundo os meus planos iniciais. Eu queria parir, ponto. Queria conhecer a minha filha, queria voltar pra casa pro meu filho, queria começar a nossa vida nova. Não sei se todas as mulheres são assim, mas naqueles dias, o bem estar do filho “q estava do lado de fora”, era tão importante quanto da q “estava aqui dentro”. Eu não conseguia mais estar fora de casa porque eu sabia q ele precisava de mim e sim, a minha decisão de acelerar mais ainda o parto foi influenciada pela existência de outro filho, q precisava de mim também.

A última foto da barriga - com as flores q chegaram da família na Espanha...

Foi decidido q eu seria levada a uma sala de parto no decorrer do dia, não sabiam quando, pois havia outros casos mais urgentes do q o meu. Pedi pro Ariel ir buscar o Uri no gan (era sexta feira e ele só tinha gan até meio dia) e trazer pro hospital por algumas horas. A Iara chegou de Tel Aviv e veio direto pro hospital, pra voltar pra casa com o Uri e o nosso carro, q estava lá desde a minha internação. Meu coração se alegrou e se acalmou ao ver o meu filho, porque eu sabia da importância disso pra ele. Ele almoçou comigo, brincou um pouco no quarto e no hospital e depois de uma hora e pouco, foi embora. Mais uma vez, ele não entendeu o porquê da Iara dirigir o nosso carro e de eu não voltar com ele pra casa.

o quase irmão mais velho...

Quando voltamos ao quarto, nos avisaram q a sala de parto estava pronta, nos esperando. Arrumamos o q precisávamos rapidamente e fomos pra lá. Avisei a Avigail sobre os planos da médica e ela disse q estava a caminho do hospital, mas para fazer outro parto, de uma mulher q estava a caminho, vindo do norte de Israel, e ela esperava conseguir estar no meu parto também. Esperei terminarem de preparar a sala e quando fui entrar, uma parteira chegou esbaforida trazendo outra mulher com 9 de dilatação q precisava usar aquela sala naquele segundo. Então me mandaram esperar do lado de fora com o Ariel e essa foi a parte mais chata de todo o processo. Esperamos por mais de duas horas e no final nos mandaram de volta pro quarto, pois as salas de partos estavam todas lotadas, com casos mais urgentes do q o meu, e eles não podia se dar “ao luxo” de me manter numa sala por tantas horas, o q era o esperado de um parto com ocitocina. Argumentei dizendo q eu estava sem líquido amniótico havia 3 dias e isso poderia ser perigoso pra nenê, então resolveram fazer um novo US e viram q eu tinha um pouco de líquido, o suficiente para ela estar bem (como também comprovado pelos muitos cardiotocos q eu fazia por dia), mas o médico de plantão perguntou se eu queria fazer uma separação de membranas, pra ver se alguma coisa acontecia nas horas seguintes. Naquela hora eu tava aceitando até machadada na cabeça, se aquilo significasse q meu parto começaria, então aceitei e quase morri de dor e desconforto.

Voltamos pro quarto decepcionados e dormimos. Acordei às 5 e pouco da tarde e resolvi pedir q me fizessem outro cardiotoco. Alguns minutos mais tarde, a Avigail entra no nosso quarto e eu acho q nunca vou esquecer dessa cena e sempre lembrarei daquela iemenita de um metro e meio como uma pequena super herói, entrando com uma capa e um escudo no quarto e nos “salvando” do “parto sem fim”. Ela disse q tinha conseguido um quarto pra mim e q deveríamos ir pra lá naquele segundo. O Ariel ainda brincou q era hora do jantar e ele pretendia comer (sempre, sempre faminto o meu marido) e ela disse pra comermos em 5 minutos e irmos.

Eu não tinha fome alguma, mas fui ao refeitório pegar comida pro Ariel. #Pausa – O Leniado é um hospital ultra-ortodoxo, como eu disse. O refeitório é só para as parturientes, nem acompanhante mulher pode entrar e muito menos homem. Além disso, era sexta feira, 6 e pouquinho da tarde e qualquer um q saiba um pouquinho de judaísmo imagina o q acontecia naquele momento – Kidush de Shabbat. Entro esbaforida no refeitório, querendo jogar qualquer coisa no prato e ir ter a minha filha e dou de cara com um homem hiper religioso (nível xaxim na cabeça) fazendo kidush, em idish. Esperei, ri sozinha de Murphy regendo a minha vida, engrossei o coro do “amén”, tomei um vinhosinho abençoado e sai de lá.

isso é o chapéu xaxim
Ariel engoliu a comida e fomos pra sala de parto. Era exatamente 7 horas da noite. A Avigail entrou, fez (outro) exame de toque, confirmou os 3 cm, colocou acesso na minha veia e começou com a ocitocina.

a foto mais parecida da "trave" q encontrei no Google, mas a cama era diferente
Saiu da sala e voltou com uma almofada bem grande, q colocou atrás de mim e uma “trave de futebol” em volta da cama. Levantou o encosto e disse “cada vez q vier uma contração, se segura na parte de cima dessa trave e rebola”. Nem um minuto depois veio uma, eu fiz o q ela mandou e senti uma dor gigantesca, como nunca havia sentido antes, nem no parto do Uri. A dor foi fortíssima, mas de alguma forma, era uma dor boa. Ela deu risada, me examinou e disse “Querida, teu parto começou!”. Tenho plena consciência de q ter tido um parto sentada e não deitada, ajudou muito a acelerar o processo todo, assim como a trave e os movimentos q ela me ensinou a fazer. Hoje, ao pensar num parto deitado, não entendo o porquê de se ir contra a força da gravidade e a natureza em si. Pra nascer, o bebê precisa ser empurrado pra baixo, e deitada, a mulher tem q fazer muito mais força.

As contrações aumentaram muito rapidamente – vinham mais fortes e em intervalos mais curtos. Em poucos minutos ela foi chamar o anestesista e eu, q até cheguei a planejar um parto natural e sem epidural, temi pelas contrações induzidas (pela minha experiência anterior) e não quis ser forte naquele momento.

O anestesista chegou em 10 minutos e tiraram o Ariel da sala para aplicarem a epidural. Como da outra vez, apesar do medo, a dor da picada foi totalmente suportável, mesmo com duas ou três contrações no meio do processo. O anestesista mal saiu da sala, o Ariel estava voltando pra lá e foi recebido pela Avigail, q acaba de me examinar de novo, com a frase “7 centímetros de dilatação”. Ariel correu pra ir avisar a Elza da proximidade do parto ativo (e teve q ligar escondido, pois era Shabbat e não se pode usar o telefone no hospital em Shabbat).

Ela saiu e voltou com a “mesa de nascimento” – um pequeno carrinho com tudo o q ela precisaria para o parto ativo e pro nascimento do bebê. Eu ainda ri e disse q ela estava exagerando, q ainda tinha tempo pra aquilo e ela gargalhou, me examinando de novo (nem cinco minutos depois do último toque): “Dilatação completa. Vamos lá, tua filha vai nascer”.

Além disso, e sem a gente pedir, ela apagou quase todas as luzes da sala, deixando só uma, fraquinha... Me apaixonei de novo por ela por esse gesto de carinho e compaixão pela bebê, q não merecia vir ao mundo sob holofotes fortes (ela tem a vida toda pra brilhar depois). Segundo ela, até Rambam (Maimônides) escreveu sobre a importância de um ambiente acolhedor no nascimento.

O Ariel ficou do meu lado esquerdo, ela do direito e eu me deitei de lado. A epidural não tinha nem tido efeito completamente e eu, apesar de não sentir dor alguma, senti todas as contrações e todo o parto, exatamente o q eu queria. Logo a Avigail e o Ariel viram os cabelinhos da nenê e anunciaram q ela não era ruiva, o q decepcionou o pai, q sempre sonhou com uma filha laranjinha.

Eu entrei em transe, nunca vou esquecer desses segundos, ou minutos, já nem sei mais. Não enxergava nem escutava nada, apenas concentrava todas as minhas forças e ajudava a minha filha a vir ao mundo. Foi, com certeza, uma das sensações mais alucinantes e marcantes dos meus 37 anos. Enquanto isso, a Avigail fazia massagem no períneo com o óleo de amêndoas q eu havia levado. Como ela prometeu, eu não teria cortes.
Em duas ou três contrações mais, ela coroou. Em poucas mais, os ombros passaram e eu fui intimada a segurá-la e trazê-la, eu mesma, pro meu peito.

A Lia chegou, num parto totalmente diferente do q eu tinha planejado, mas q foi exatamente o q deveria ter sido: A reparação da minha experiência de trazer meus filhos ao mundo. Se o primeiro foi difícil, esse foi fácil. Se o primeiro doeu muito, esse eu pouco senti. Se o primeiro me deu muito medo, nesse eu tinha segurança em mim, no meu corpo e na pessoa q trouxe pra me ajudar. Se o primeiro foi ruim, esse foi maravilhoso.

Às 08h22min da noite a minha filha chegou berrando, segurando o cordão umbilical com a mãozinha. Esperamos ele parar de pulsar e o pai dela realizou o seu sonho de cortá-lo. Ela então foi rapidamente pesada (2,650 gr) e trazida pra mim de novo, pra mamar. Logo chegou a doula q, apesar de ter sido avisada a tempo, não pôde competir com esse parto relâmpago.

Ficamos os três babando nela enquanto minha placenta foi expelida, intacta. Uma médica foi chamada pra dar um único ponto, q foi preciso pois ao passar, a Lia arrebentou a cicatriz de um dos pontos do parto do Uri.

Depois de mais de 1 hora, me examinaram de novo e a levaram pro berçário e me levaram de volta pro quarto. Eu estava eufórica, queria levantar pra tomar banho, mandei o Ariel e a Elza embora pra casa e fui pegar a minha filha, q estava numa cama aquecida dormindo tão profundamente q tive pena de tirá-la de lá. Resolvi ir descansar, já às 11 e pouco da noite.

E assim nos tornamos quatro, como estava escrito. Num parto tão rápido, tão íntimo, tão bonito, q me deu saudades já no dia seguinte, tanto q eu falo pro Ariel: “Se tudo começasse e terminasse num parto assim, eu teria mais dois.”

pensa numa pessoa em êxtase...






Ainda fiquei mais dois dias no hospital e não tenho palavras pra definir o tratamento q recebi durante todo o tempo q fiquei lá. Todos os médicos, as enfermeiras, as parteiras sempre foram muito atenciosas e carinhosas. Além disso, tudo é muito organizado e cada um sabe o seu papel e tudo funciona direito.

Resolvi deixar a Lia no berçário à noite pra eu poder descansar, mas pedi pra não darem leite artificial pra ela, e q me chamassem caso ela chorasse. Nas duas primeiras noites ela não chorou, na última me chamaram e eu fui amamentá-la na sala de amamentação q ficava no corredor do meu quarto e acabei me arrependendo de não ter ido lá mais vezes. Uma sala linda, bem decorada, com potronas confortáveis e mães passando pelo mesmo q eu passava. No dia seguinte, antes de ir embora, fui até lá e tive uma consulta de quase uma hora com uma especialista em amamentação. Além do q paguei pra parteira (q foi opção minha), todo o resto não me custou um centavo, tanto q levei minha bolsa pro hospital porque estava dirigindo quando cheguei, mas o Ariel a levou embora assim q voltou pra casa pela primeira vez, pois não precisei de dinheiro algum em nenhum momento até a nossa saída.
tirei foto porque quero uma igual!

A sala de amamentação

A decisão de contratar uma parteira particular é hoje abençoada por mim e pelo Ariel. Durante o parto mesmo ele confessou entender a importância disso pra mim e pro parto q tivemos dessa vez. Chegamos a ficar tristes em saber q pouco provavelmente encontraremos a Avigail em outros momentos da nossa vida, já q a possibilidade de outro parto está descartada. Essa mulher foi abençoada por um dom incrível, o de trazer, de uma forma respeituosa e cheia de amor, novos seres humanos ao mundo e nós sempre falaremos dela com carinho e admiração.

Fora ela, a presença da Elza, a doula, nos acalmou e trouxe companhia. O seu marido e a sua filha e as amigas q vieram de longe pra ficar com o Uri nos provaram q não precisa ter sangue pra ser família, pra se importar, pra cuidar.


A Lia vai completar um mês em dois dias e não há um dia em q eu não me lembre da maneira como ela chegou ao mundo e não agradeça por tudo o q aconteceu com a gente e pelas pessoas q passaram pelo nosso caminho pra q isso acontecesse. 

3 comentários:

  1. Ah que linda sua historia! Eu lembro de ter achada triste a experiencia que voce teve com o Uri, de todas as suas dificuldades. Healing births are the best! Ontem mesmo eu falei pro Ryan "ai mal posso experar para parir de novo!" Hehe. Muio encorajadora a historia de seu parto. Parabens! Lia eh linda, a cara do Uri

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  2. Lu, amei ler sua história! Enquanto lia fiquei torcendo para um final feliz... e ele veio na forma de uma princesinha muito fofa! Fiquei comovida com esse relato tão pessoal e tão cheio de amor! Desejo a vocês quatro toda a felicidade do mundo :D

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  3. Lindo, lindo, Neide. Parabéns, amiga. Tenho orgulho de vc :))) Beijos

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