quarta-feira, 28 de março de 2012

Bilinguismo em Israel

Israel é um país jovem, muito jovem, que foi declarado há somente 64 anos e foi populado por judeus que chegaram de todo o mundo (países Europeus como Russia, Romênia e Polônia, países orientais como Paquistão, Índia e até Yemen), além dos árabes que aqui já estavam. O israelense natural, aquele que nasceu aqui (também chamado de sabra*) é super recente, os primeiros devem ser da geração de nossos pais.


Mais recentemente, coisa de uns 20 e poucos anos pra cá, muitas ondas imigratórias, organizadas ou não, chegaram da Russia, Etiópia, França, América Latina, Estados Unidos. Foram grupos enormes (no caso da Rússia e da Etiópia) ou menores que chegaram em busca de melhores condições do que em seus países de origem ou que vieram simplesmente por amor à Terra de Israel, por sionismo.


Sendo assim, pouquíssimas são as famílias que têm integrantes 100% sabras. Pode ser um avô que veio do Irã, uma tia polonesa ou a namorada do primo que é russa. Há grupos que se integram mais, como no caso dos franceses, que mesmo com um sotacão forte, se esforçam em falar Hebraico e há outros, como os russos, que são tantos, e que geralmente chegam com a família toda, e que continuam vivendo como na Rússia, os mais velhor podem viver aqui tranquilamente sem falar uma palavra de Hebraico, tamanha a facilidade em encontrar falantes do seu idioma, canais de TV, supermercados, jornais, jardins de infância, tudo em Russo. Muitos anglo falantes vivem a mesma situação, principalmente os que estão em Jerusalém e Raanana, cidades conhecidas por abrigar imigrantes americanos, sul africanos, ingleses. Já peguei um ônibus em Raanana e não ouvi uma palavra em Hebraico por minutos, só inglês.


Do lado de Raanana fica Kfar Saba, cidade que está lotada de latinos. É andar 5 minutos na rua e escutar algum argentino falando. Aqui em Netanya, onde eu moro, há muitos russos e franceses, que adoram estar perto do mar e se não imigraram de vez pra cá, mantêm um apartamento aqui e outro em Paris. Tem também os argelinos e marroquinos, que se passam por franceses também.


Enfim, em qualquer cidade, em qualquer lugar desse país, dá pra se escutar um montão de línguas pelas ruas. Não só escutar, mas ver cartazes, letreiros de lojas, jornaizinhos e etc. Os serviços, publicos ou privados, mantém atendentes e gravações telefònicas em Hebraico, Árabe, Russo, Inglês (e Francês muitas vezes, pelo menos aqui em Netanya).


Eu acho isso muito legal. É uma bagunça cultural, é uma mega identidade do país que gera conflitos entre a população às vezes, mas é muito bom viver onde todo mundo é diferente, onde todo mundo está meio inserido no país e meio se esforçando muito para manter os seus costumes, a sua cultura e a sua língua.


Exatamente como nessa casa.


Meu marido é uruguaio, do Chuí, na divisa com o Brasil. Cresceu assistindo TV Colosso e desde q nos conhecemos, nosso idioma é Português. Ele fala bem, tem bastante sotaque (troca o som de "j" pelo "x", o de "s" por "z" e vice versa), mas tirando algumas nuances (e palavras engraçadissimas q ele inventa), não temos dificuldade nenhuma em nos comunicarmos. Nós dois falamos muito bem Hebraico também, assistimos TV israelense, temos amigos e amigas daqui, escrevemos, lemos (mas falamos melhor, fato), mas o idioma da casa é Português.


Então a questão do idioma que falaríamos com nossos filhos nunca foi uma questão em si. Eu falo Português, o Ariel fala com ele em Espanhol e na rua e na creche ele escuta Hebraico.


Eu faço questão absoluta de que ele fale Português bem, que quando chegue a idade leia livrinhos e quem sabe até escreva na língua da mãe dele. Sou linguista, estudei sobre bilinguismo e sobre aquisição de linguagem e uma ou outra palavra em Português no meio de uma frase em Hebraico não são suficientes pra mim. Eu acho q ensinar essas duas línguas pra ele de uma forma natural é um presente de valor inestimável pro nosso filho. Não somente ele poderá se comunicar com a família e os amigos de longe, mas também terá acesso a outras culturas, músicas, livros... Fora que já é comprovado que pessoas bilingues desenvolvem partes do cérebro que outras não têm a oportunidade de desenvolver (veja esse artigo aqui, em Inglês). 


Então desde sempre, eu falei somente Português com o Uri e por enquanto tem sido tudo muito tranquilo, mesmo porque ele não fala efetivamente nenhum idioma ainda, então não passamos pela fase em que ele se negará a falar qualquer língua que não seja a que os amigos da escola falam, ele não me responde em Hebraico ainda e eu não tenho que insistir pra que ele fale Português.


Baseada em tudo o que eu li e estudei, eu acho que o método OPOL (one parent one language) vai diminuir as chances de conflito e de confusão na cabecinha dele. Ele está crescendo sabendo que com a mãe ele usa um código, com o pai outro e "na rua" outro. Claro que ele já me ouviu falando Hebraico com outras pessoas na frente dele, mas com ele, o negócio é em Português. 


Eu posso estar rodeada de israelenses, mas eu me dirijo ao meu filho na minha língua e apesar de no começo eu ter achado isso estranho e ter me sentido meio mal, muitas pessoas já me disseram (israelenses mesmo) que é o certo a fazer, que ninguém liga de não estar entendendo o que eu estou falando com o meu filho (mesmo porque, vamos combinar, muitos segredos eu ainda não conto pra ele). Se é alguma coisa que eu acho que devo, eu traduzo depois pro Hebraico. Fica um pouco confuso pra quem ouve de fora, mas eu me acostumei totalmente. 


Na creche dele as tias já aprenderam algumas palavras em Português que eu uso sempre e na creche antiga (ele mudou há 10 dias), muitas tias o chamavam de "que lindo", coisa que aprenderam rapidinho, porque né, meu filho é maravilhoso...


Apesar da pouca idade (1 ano e 1 mês), eu já me orgulho em saber que ele sabe sim que há mais de um código na vidinha dele e já demonstra isso desde muito pequeno: Quando ele tinha 6 meses e entrou na creche nova, me pediram uns DVDs em Português pra colocarem e ajudar na adaptação dele. Eu levei uns BebeMais (q logo eu levei de volta pra casa justamente porque queria que na creche ele só escutasse Hebraico). Me contaram depois que quando colocaram o DVD ele estava brincando, mas que assim que escutou a voz da narradora, olhou em volta, procurou alguma coisa (eu acredito que seja a mãe linda dele), não achou e chorou. Ou seja, ele já, naquela época, associava o som do DVD com a casa dele. 


As poucas palavras que ele fala são em Português, ou sons parecidos com a língua, como "qué", "no no", "dá", "a-ca" (palavra nova pra água, até semana passada era "sá" (associação com "chá" que me vê tomar todos os dias e generalizou todos os líquidos "tomaveis), "ca ca" (pro patinho quá quá), "tau tau" (tchau tchau), "teta" (chupeta) "mamã", "auô" (alô), "vovó" e "Pau-ua" (Paula, o nome da minha irmã). A única palavra em Espanhol é "papá", como ele chama o pai. Fora isso ele entende praticamente tudo o que falamos, principalmente se for direcionado a ele. Por exemplo, se estivermos na sala e pedirmos que ele traga o livro do patinho quá quá ou do gatinho miau, ele engatinha até o quarto e volta com o livro. 


Ele se expressa muito bem, diz que não com a cabeça, aponta e diz "qué" pra geladeira quando quer algo que sabe que está lá, se faz entender atravez de gestos. Outro dia, almoçando, eu comecei a cantar com ele, não lembro que música tentei cantar, mas ele balançou a cabeça, disse "no no" e apontava o dedo indicador pra palma da mãozinha gorducha, virada pra cima. O q ele queria "Cai cai balão, cai cai balão, aqui na minha mão". E assim "conversamos" e cantamos por muitos minutos, meu marido encantado com a facilidade que o Uri tem em se fazer entender. 


Ele também já nos surpreendeu com demonstrações de entender Hebraico, como quando falamos a palavra rosh (cabeça) e ele pôs as mãozinhas na cabeça, ou quando alguém fala "bye bye" (coisa que nunca usamos em casa) e ele responde "tau tau". 


Acredito que estamos no caminho certo. As coisas poderão ficar mais complicadas quando ele falar efetivamente, mas acho que, pela idade dele, ele está se comunicando super bem, falando muito mais do que crianças que só falam um idioma em casa (dizem por aí que crianças bilingues demoram mais para começar a falar, eu não sei não..). 


Acho que se estivermos 100% seguros do que queremos, se não bobearmos falando outra língua, o que pode confundir muito a cabecinha dele, não teremos maiores problemas. Já vi mães aqui misturando Hebraico, Português e até outra língua na hora de falar com os filhos e depois se perguntando porque a criança não fala nenhuma língua direito. Mas como ela vai saber qual é o certo a usar em cada situação? Os códigos têm que ser claros, pra criança aprender não só as palavras, mas a estrutura, a "gramática" de cada língua como um todo. 


Tenho o "apoio" de muitos livros, DVDs e CDs em Português enviados pela família e pelos amigos desde antes dele nascer e acredito que o interesse dele pela língua só vai aumentar com o passar do tempo. 


Quando eu vir meu filho conversando com a vovó e as tias no telefone, assistindo Sítio do Pica Pau Amarelo ou mais pra frente, lendo um livro do Marcos Rey da Coleção Vagalume, aí eu vou saber que fiz o trabalho certo, pelo menos na parte linguistica! 







Quer saber como outra mães lidam com o bilingismo? Confira aqui!

7 comentários:

  1. Nossa que aula muito legal!!! O uri vai servpoliglota!!! Eu tenho dificuldades em falar outras linguas!! Sei ingles, entendo bem , mas sinto que falo como indio sabe!? Estudei frances tb e sei o trivial!!! Acho o espanhol facil, morei perto da venezuela e entendo td!!! Falo o classico portunhol... Mas sempre travo na hira de falar !!! Estou na argentina, quer que eu compre uns livrinhos em espanhol pro uri???
    Ahh... Li todos os livros do marcos rey!!!! Raquel cabreira
    E te acho o hebraico lindo!!! Aprendo umas palavrinhas com vc!!!! Bjocas

    ResponderExcluir
  2. Luciana,
    Não sou linguista, mas sempre me interessei por linguas e o processo de aquisição das mesmas. Atualmente tenho lido bastante sobre bilinguismo. Comentei no blog da Claudia que o que mais me preocupa no meu caso é o fato de que depois que começar a frequentar a escola meu filho vai ter como lingua dominante o inglês. Vai ser alfabetizado em inglês. Acontece que eu queria muito que além de manter o português comigo e com a família ele também aprendesse a escrever e principalmente ler, mas não sei como isso vai ser possível.
    Como nossos meninos tem idades próximas gostaria de ir trocando umas idéias sobre isso com você.
    Um beijo

    ResponderExcluir
  3. Oi Lu,
    Espero que esteja melhor e que tenha dado tudo certo na cirurgia.
    Adorei como é a questão dos idiomas onde você mora. Quantos, hein! Uma diversidade tremenda. Adorei! E o melhor de tudo isso deve ser a persistência de cada povo para manter sua cultura e entender um tanto da outra.
    Quanto ao seu filhote, acho que vcs pais estão certíssimos. Tenho certeza que terão bons frutos desse investimento todo.
    Um grande beijo.
    E agora me diz você está com dois blogs?

    ResponderExcluir
  4. Lu, mais uma curiosidade minha que você mata. Para mim Israel deve ser o lugar do mundo onde mais culturas se misturam. Acho que eu passaria tardes num lugar movimentado tentando descobrir de onde vem as pessoas.
    Bjs

    ResponderExcluir
  5. Adorei, adorei, adorei! Acho que temos uma abordagem muito parecida, talvez pelo fato de sermos ambas linguistas ;-) Tenho certeza que o Uri está no caminho certo e logo vai estar tagarelando muito por aí, em três idiomas!

    Beijo,
    Karen
    http://multiplicado-por-dois.blogspot.de

    ResponderExcluir
  6. Me vi em vários momentos do teu post! Lembro a primeira vez que comprovei que o Elias realmente entendia quando solicitado a trazer algo...fiquei emocionada demais. Hoje eu tenho certeza que ele entende tudo o que eu falo. Já em finlandês sinto que ele não entende muitas coisas, comando simples como dar, pegar, essas coisas... mas tudo a seu tempo. Logo, logo ele vai pra creche e daí o maravilhoso mundo Finlandês irá se abrir para ele...rs rs.

    Beijos

    ResponderExcluir
  7. Ai Luciana adorei o post, é bem isso ando preocupada com isso da Libi ainda não falar, claro sei que ela me entende mas fica a cobrança de todos ELA TEM QUE FALAR PORTUGUÊS, eu quero muito muito que ela fale só que me bate aquele medo sabe.
    Que bom saber que vc entende dessa área e pode ter certeza que vou gritar por socorro se precisar!!!!
    Obrigada pela força.

    ResponderExcluir